‘Vi uma noiva entrar num automóvel.’ Seu esguio corpo molemente matando-me a crónica depressão. - Sant’António, meu santinho, sábio santo dos doutores, ensina-me sã doutrina, aceita meus louvores. Sant’António português, que acodes nas aflições; ama o meu coraçãozinho, sara-o com orações. Vi o Menino brincar nos braços de Sant’António; taumaturgo popular, mata em mim o ruim demónio. António dos meus amores, que eu ame minha mulher; dou-te guirnaldas de flores, e seja o que Deus quiser. - Que choras, amiga, à fonte fria? Amores hei. Alba lieiro. Que pranteias, amiga, no jorrar da nascente? De amores só. Alba vai levaando. Amores empeçados sem tento nem fim choro por mim. Alba asinha. - O poeta das olheiras chorosas: ‘Só, incessante, um som de flauta chora.’ Antiga tristura, que lágrimas devoras, o sol há vasto tempo erguido, porque não foste embora? ‘E, no longe, os barcos das flores?’ Pétalas leves sobr’alma derramadas. Será que morro exausto, cumprida e ida a faina? Ou é que o pranto sara, e o pavoroso tremor extingue? Quem sonha alto agora? Astros alcança? Por quais silêncios mora? - ‘Aquela triste e leda madrugada, enquanto houver no mundo saudade…’ Quero que quede sempre demorada a meus olhos abertos porque nada. Campos verdes, na clara luz banhados, arvoredos, automóveis, idos passantes pasmados, roucos sons aos dos pássaros acordados mistos. E rosas, e aromas, e tons, e amores de meus amores. Se o dia rompe à mesma hora que a flor, e a neve é véu de bodas sobrevoando, madrugada rompante, dos meus dias, inclines minha alma a jubiloso fervor. Acenam asas voos p’lo monte. - ‘Se não me lembrar de ti, Jerusalém das alegrias!...’ Leveza, alados voos, ternura, enlevo, olhar, o dentro das tuas portas, revolto resplendor. Íntimo anelo, ascensão, desde já eternidade. - Só sonhada ventura me conforte da vivida desventura; sonhe enfim, e fundo frua a doçura que o dia me negou. Moças mil, flores queridas, indícios foram meus d’idílios mil, p’los tempos que aqui tive, dos quais não vi senão enganos. Seja todo teu, donzela das donzelas. - Sedia-m’en San Simion, acercam-se-m’ondas, grandes que son. Ondas m’emparedan, eu sin rum’ ô guia. Ondas s’m’engolfam, e eu cerrad’ a dia. Madre, qu’ondas altas contra mim vêm. Madre, qu’ m’envoltan, e eu prà ’qui sin pé. - Estrelinha num longe céu, frágil barquinha no forte mar, fruste borboleta p’la vastidão adejando, assim eras tu, por esse nosso mundo, meu amor. - Sonhe meu fim descansado num canto terra florido, seja o meu corpo chagado num continuado olvido, ache-se sempre a meu lado da plenitude o sentido, noutro momento moldado o poema seja vivo, pra redizer acabado meu disperso derivar.
‘Vi uma noiva
ResponderEliminarentrar num automóvel.’
Seu esguio corpo
molemente matando-me
a crónica depressão.
-
Sant’António, meu santinho,
sábio santo dos doutores,
ensina-me sã doutrina,
aceita meus louvores.
Sant’António português,
que acodes nas aflições;
ama o meu coraçãozinho,
sara-o com orações.
Vi o Menino brincar
nos braços de Sant’António;
taumaturgo popular,
mata em mim o ruim demónio.
António dos meus amores,
que eu ame minha mulher;
dou-te guirnaldas de flores,
e seja o que Deus quiser.
-
Que choras, amiga,
à fonte fria?
Amores hei.
Alba lieiro.
Que pranteias,
amiga,
no jorrar da nascente?
De amores só.
Alba vai levaando.
Amores empeçados
sem tento nem fim
choro por mim.
Alba asinha.
-
O poeta das olheiras chorosas:
‘Só, incessante, um som de flauta chora.’
Antiga tristura, que lágrimas devoras,
o sol há vasto tempo erguido,
porque não foste embora?
‘E, no longe, os barcos das flores?’
Pétalas leves sobr’alma derramadas.
Será que morro exausto,
cumprida e ida a faina?
Ou é que o pranto sara,
e o pavoroso tremor extingue?
Quem sonha alto agora?
Astros alcança?
Por quais silêncios mora?
-
‘Aquela triste e leda madrugada,
enquanto houver no mundo saudade…’
Quero que quede sempre demorada
a meus olhos abertos porque nada.
Campos verdes, na clara luz banhados,
arvoredos, automóveis, idos passantes pasmados,
roucos sons aos dos pássaros acordados mistos.
E rosas, e aromas, e tons, e amores de meus amores.
Se o dia rompe à mesma hora que a flor,
e a neve é véu de bodas sobrevoando,
madrugada rompante, dos meus dias,
inclines minha alma a jubiloso fervor.
Acenam asas voos p’lo monte.
-
‘Se não me lembrar de ti,
Jerusalém das alegrias!...’
Leveza, alados voos,
ternura, enlevo, olhar,
o dentro das tuas portas,
revolto resplendor.
Íntimo anelo, ascensão,
desde já eternidade.
-
Só sonhada ventura
me conforte
da vivida desventura;
sonhe enfim,
e fundo frua
a doçura
que o dia me negou.
Moças mil,
flores queridas,
indícios foram meus
d’idílios mil,
p’los tempos que aqui tive,
dos quais não vi senão enganos.
Seja todo teu,
donzela das donzelas.
-
Sedia-m’en San Simion,
acercam-se-m’ondas,
grandes que son.
Ondas m’emparedan,
eu sin rum’ ô guia.
Ondas s’m’engolfam,
e eu cerrad’ a dia.
Madre, qu’ondas altas
contra mim vêm.
Madre, qu’ m’envoltan,
e eu prà ’qui sin pé.
-
Estrelinha num longe céu,
frágil barquinha no forte mar,
fruste borboleta p’la vastidão adejando,
assim eras tu,
por esse nosso mundo, meu amor.
-
Sonhe meu fim descansado
num canto terra florido,
seja o meu corpo chagado
num continuado olvido,
ache-se sempre a meu lado
da plenitude o sentido,
noutro momento moldado
o poema seja vivo,
pra redizer acabado
meu disperso derivar.